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Sobre ética, moral e agricultura

Alguns dizem que a preservação dos nossos recursos naturais precisa estar vinculada a um mecanismo financeiro. Outros acreditam que conservar tratar-se de uma obrigação moral.
Podemos refletir sobre tudo isso com base em uma história real.
A Ilha de Páscoa, com 18 km2 de terras áridas, pertence ao Chile e está isolada do resto do mundo. Está a 3.000 km de distância de qualquer outra civilização.          
Reconhecida por seus "Moais", gigantescas esculturas construídas com rochas vulcânicas, foi descoberta em 1772 em um domingo de páscoa.
A população, por volta do ano 1.000, era de pouco mais de 100 habitantes. Caracterizada por rica fauna e flora, possuía palmeiras com 25 metros de altura. Entre os séculos 11 e 14, a pujança da agricultura proporcionou um crescimento populacional extraordinário. Estima-se que a ilha chegou a abrigar 15 mil pessoas.
Este crescimento obrigou a abertura de novas áreas para agricultura. A madeira também era usada como combustível e estrutura para casas e barcos. Além da agricultura, consumia-se carne de golfinho, focas e 25 tipos de pássaros selvagens. O preparo dessa carne era feito com a queima da lenha retirada nas florestas.
A obsessão pelos ‘Moais’ também ampliava os desmatamentos, pois era necessária a madeira para transportá-los. Os primeiros ‘Moais’, que teriam sido feitos por volta do ano 1.100, tinham entre 2 e 3 metros de altura. O maior que foi esculpido, cerca de 300 anos depois, tem 10 metros e pesa 82 toneladas. Alguns dizem que serviam para demonstrar poder e “Status”.
Uma pausa. Afinal, qual o significado de “Status”? A definição mais inusitada que ouvi para ‘Status’ foi: “possuir algo que você não precisa para mostrar aquilo que você não é a alguém que não se importa com você”.
Voltando à Nossa Ilha[1]. O solo ficou exposto ao sol, ao vento e à chuva, causando erosão. Devido à consequente desertificação, muitos vilarejos tornaram-se inabitáveis. Com a destruição dos solos férteis, a Ilha passou por drásticos períodos de fome. Tensões sociais extremas causaram conflitos e guerras. A população da ilha, que teria chegado a 15 mil pessoas, começou a diminuir.
Esse processo de decadência ocorreu entre os séculos 16 e 17 - antes da chegada dos europeus. Estes trouxeram consigo epidemias e escravidão aos habitantes da Ilha, que no fim do século 19 contava com pouco mais de 100 pessoas. Basicamente o mesmo número que teria aportado por lá 1.000 anos antes e fundado a sociedade ‘rapanui’, como era chamada.
O geógrafo Jared Diamond, autor de matérias e livros sobre o assunto, batizou a tragédia de "ecocídio“. Ao devastar os recursos naturais da ilha, os ‘rapanuis’ teriam provocado tamanho desequilíbrio ecológico que resultou no fim de um ecossistema.
Infelizmente, não existia uma ilha vizinha que pudesse oferecer dinheiro em troca de conservação.


Rodrigo Cascalles, Engenheiro Agrônomo, Coordenador de Projetos Agrícolas do Imaflora.


[1] Atualmente, no mundo:
  • 5 mil pessoas morrem diariamente devido à poluição da água potável;
  • 1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável;
  • 20% da população mundial consome 80% dos recursos naturais do planeta;
  • O mundo gasta 12 vezes mais em armas do que ajudar os países em desenvolvimento;
  • 1 bilhão de pessoas estão morrendo devido à fome;
  • 40% da terra arável está degradada;
  • Todos os anos, 13 milhões de hectares de florestas desaparecem;
  • 1 em cada 4 mamíferos, 1 em cada 8 aves, 1 em cada 3 anfíbios estão em vias de extinção;
  • As espécies estão morrendo a um ritmo 1.000 vezes superior ao natural;
  •  ¾ das zonas pesqueiras estão esgotadas, reduzidas ou correm este risco; 
  •  No Brasil, são afetados pela desertificação 1.482 municípios = 32 milhões de pessoas