segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Cientistas apresentam resultados de estudo sobre Código Florestal na Câmara dos Deputados

Trabalho traz argumentos técnicos em defesa de áreas protegidas pela legislação atual e rebate vários dos argumentos de ruralistas

Alguns dos resultados do estudo sobre o Código Florestal elaborado por um grupo de trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciência (ABC) serão apresentados nesta terça-feira, dia 22, às 14h, num seminário na Câmara dos Deputados. O texto completo da pesquisa ainda está em finalização e deverá divulgado dentro de algumas semanas.

Publicado na semana passada no site da SBPC, o sumário executivo do trabalho reforça a necessidade de proteger e restaurar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) – e não reduzi-las, como prevê o polêmico relatório sobre as mudanças do Código Florestal do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP). O documento dos pesquisadores confirma que as APPs são “insubstituíveis” não só para populações urbanas e rurais, como para a própria produção agropecuária, ao prover serviços ambientais como polinização, controle de pragas, de doenças e de espécies exóticas invasoras. Afirma que a redução dessas áreas pode significar um "gigantesco ônus para a sociedade como um todo; e que, na verdade, suas dimensões previstas na lei atual ainda são insuficientes.

De acordo com o estudo, as APPs têm “reconhecida importância na atenuação de cheias e vazantes, na redução da erosão superficial, no condicionamento da qualidade da água e na manutenção de canais pela proteção de margens e redução do assoreamento”. O sumário executivo repõe, portanto, a importância das APPs nas margens de corpos de água e em encostas também para evitar as tragédias que o País tem vivido por causa de enchentes e deslizamentos.

Uma das principais críticas das lideranças do agronegócio à legislação ambiental é de que ela não teria fundamentos científicos. O objetivo da SBPC e da ABC ao elaborar o estudo foi justamente trazer argumentos técnicos para a discussão, tentando mostrar consequências e alternativas das possíveis alterações do Código.

O seminário ocorre em meio à intensificação das articulações dos ruralistas para apressar a votação, prevista para a segunda quinzena de março, do relatório de Rebelo. O documento prevê ainda anistia a quem desmatou ilegalmente e o fim da obrigação de recuperar passivos ambientais.

Estarão no seminário a presidente da SBPC, Helena Nader, e alguns dos integrantes do grupo de trabalho, entre eles José Antônio Aleixo da Silva, coordenador do grupo e secretário da SBPC; Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia; Antônio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); os pesquisadores Alfredo Joly; Ricardo Rodrigues e Sérgio Ahrens.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e a ministra do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, foram convidados, mas ainda não confirmaram presença. O evento deve reunir ainda parlamentares ambientalistas e ruralistas, assessores, advogados e representantes de organizações da sociedade civil para debater aspectos jurídicos e científicos das mudanças propostas para o Código Florestal.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011


Brasil não cumpriu metas de conservação da Mata Atlântica


Com vegetação reduzida a 8% da original1 e distribuída em milhares de fragmentos florestais, a Mata Atlântica convive hoje com ambientes intensamente urbanizados onde se concentram 112 milhões de brasileiros (59% da população) e atividades econômicas que respondem por mais de 60% do PIB nacional. Apesar das profundas transformações que sofreu ao longo da história, o bioma ainda abriga diversas e raras formas de vida e fornece água, opções de lazer, proteção de encostas e outros serviços ambientais indispensáveis ao desenvolvimento e à manutenção da qualidade de vida das populações. Logo, merece atenção especial de governos, setor privado e sociedade.

            Apresentado hoje (4), um diagnóstico sobre o cumprimento de metas de conservação da biodiversidade na Mata Atlântica, elaborado pelo WWF-Brasil em parceria com a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e apoio de uma série de instituições2, aponta que o Brasil tem amplo espaço para avançar na manutenção e principalmente na recuperação do bioma. 

Das 51 metas nacionais para proteção da floresta, baseadas em diretrizes globais da Convenção das Nações Unidas sobre Conservação da Diversidade Biológica3, o país cumpriu duas na totalidade, cinco não foram executadas e o restante encontra-se em estágios intermediários de cumprimento. “Planos oficias e privados de desenvolvimento não deram a devida prioridade ao bioma, resultando em esforços insuficientes para sua restauração e conservação”, disse Cláudio Maretti, superintendente de Conservação do WWF-Brasil.

De forma geral, os maiores avanços se deram em produção de conhecimento e criação de áreas protegidas. Há grande quantidade de informações sobre as riquezas naturais da Mata Atlântica, como uma listagem completa de suas quase 16 mil plantas diferentes e de suas áreas prioritárias para conservação. A meta de se proteger dez em cada cem hectares de sua área até 2010 foi quase atingida, com 8,9% do bioma em unidades de conservação públicas e privadas. Vale ressaltar que elas são em média menores que as de outros biomas e precisam proteger mais animais e plantas raros ou ameaçados de extinção.

Indicadores menos satisfatórios foram registrados em monitoramento e redução de impactos, acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios, educação e informação pública, e fortalecimento jurídico e institucional. O uso sustentável da biodiversidade também não avançou, por entraves como a alta fragmentação do que resta do bioma, impedindo o manejo florestal, e pela falta de projetos focados no aproveitamento de frutos, fibras e outros recursos não-madeireiros. “As metas brasileiras eram bastante ambiciosas e, na média de seu cumprimento, o país avançou na proteção da Mata Atlântica. Todavia, há um descompasso entre necessidades ambientais e capacidade estatal para cumpri-las”, ressaltou Luciana Simões, coordenadora do Programa Mata Atlântica do WWF-Brasil. 

Parques nacionais e estaduais e outras unidades de “proteção integral” somam apenas 2,3% da área protegida no bioma. Na Mata Atlântica há 627 reservas particulares, a maior concentração do país, e muitas se interligam com outras parcelas importantes para a conservação da biodiversidade. “Estima-se que 80% dos remanescentes da Mata Atlântica estejam com proprietários privados. Logo, eles são fundamentais para se resguardar o que resta da floresta. Mas, praticamente não existe política pública para incentivar a criação e manutenção de reservas particulares”, ressaltou Luciana Simões.

Encerrado o prazo de 2010 e com as decisões tomadas na conferência de Nagoia (Japão)4, em outubro passado, deverão ser protegidos ao menos 17% da Mata Atlântica até 2020, o dobro do hoje abrigado em unidades de conservação.  Para áreas marinhas, que têm relação estreita com o bioma, o percentual a ser protegido permaneceu em 10%. Hoje, há apenas 1,53 % de áreas protegidas no mar brasileiro, enquanto 80% dos recursos pesqueiros marinhos estão super explorados. 

Hoje não temos remanescentes em quantidade e qualidade para alcançar a meta de 17%. Se o Código Florestal tivesse sido respeitado, teríamos um quadro muito melhor”, destacou Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA) e um dos coordenadores do estudo. “Precisamos de um plano nacional com metas anuais até 2020, focado na restauração da mata, formação de corredores e pagamento por serviços ambientais”, disse. A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é a maior entre as 564 reservas semelhantes reconhecidas pelas Nações Unidas em 109 países, formando um grande corredor com áreas em 15 estados. 

Clayton Lino, da RBMA, lembra que as metas de conservação para 2020 exigem do Brasil um olhar mais intenso a todos os seus biomas terrestres e para o mar, bem como um reforço de suas instituições públicas para licenciar e agir contra a ilegalidade. “Este balanço aponta lacunas nas ações nacionais pela Mata Atlântica, mas também as correções necessárias para melhorarmos a proteção e recuperação do bioma, algo fundamental para o dia a dia de milhões de brasileiros”, ressaltou.

Na contramão da conservação, ainda são registradas agressões como desmatamento ilegal, saque de madeira para lenha e captura de animais para tráfico, empobrecendo o que resta do bioma. Dos 396 animais oficialmente ameaçados de extinção no Brasil, 350 são da Mata Atlântica. Em 1989, eram 171. Atualmente, ela detém 65% dos animais e mais da metade das plantas brasileiras ameaçadas de extinção. Pelo menos 88 aves únicas da Mata Atlântica estão ameaçadas. 

Também grave é a ameaça de descaracterização que paira sobre o Código Florestal e toda a legislação ambiental brasileira. Isso indica a necessidade de uma maior mobilização e articulação política da sociedade em direção a um desenvolvimento efetivamente sustentável”, apontou Luciana Simões, do WWF-Brasil.


1.             Por volta do ano 1.500, a Mata Atlântica ocupava 1.315.460 quilômetros quadrados (15%) do território brasileiro, distribuindo-se em 17 estados e cobrindo total ou parcialmente 3.222 municípios. Levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Fundação SOS Mata Atlântica, com dados entre 2005 e 2008, mostra que restam 7,91% (102 mil quilômetros quadrados) da Mata Atlântica em fragmentos com mais de cem hectares, concentrados em regiões serranas no Sul e Sudeste. Mas, se forem contabilizados fragmentos com menos de cem hectares, os remanescentes da floresta chegam a 27%.

2.             Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Ministério do Meio Ambiente, Universidade Federal de Minas Gerais, The Nature Conservancy, Associação para a Proteção da Mata Atlântica do Nordeste, Conservação Internacional, Fundação SOS Mata Atlântica e Rede de ONGs da Mata Atlântica

3.             A Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas (CDB) foi inicialmente aprovada na Rio92. Em 2004,  a CDB define 21 metas globais de conservação da biodiversidade e, em 2006, o Brasil aprova suas metas nacionais.

4.             10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas.

O relatório Convenção sobre Diversidade Biológica – Metas 2010 – Mata Atlântica pode ser baixado em http://www.rbma.org.br/arquivos/CDB2010.pdf